Alice no País das Maravilhas é uma obra com lições valiosas sobre escrita e criação, não importa se você é aspirante a escritor ou não.
Em vários aspectos, o livro se distingue de outros clássicos de sua época e, por gerações, se mantém como referência e inspiração para pessoas de todos os tipos.
Neste artigo, destaco 7 características marcantes na escrita de Lewis Carroll que podem te inspirar (e muito), mas antes uma introdução em que comento um pouco a minha relação pessoal com o livro. Boa leitura!
Acesse os tópicos ou siga a leitura para conferir a introdução!
- Introdução: o que Alice tem de tão especial para mim?
- 7 fatos tornam Alice no País das Maravilhas uma obra única
- 1. Imaginação livre e pura expressão de criatividade
- 2. Jogos de palavras e trocadilhos que enriquecem a leitura
- 3. Personagens relevantes, distintos, envolventes e memoráveis
- 4. Narrativa não linear e aberta a diferentes interpretações
- 5. O absurdo como instrumento de crítica e reflexão
- 6. Referências e questões sociais abordadas em sátiras
- 7. A jornada da protagonista e seu desenvolvimento pessoal
- Conclusão
Introdução: o que Alice tem de tão especial para mim?
Sou suspeito para falar. Alice no País das Maravilhas é um livro extremamente importante para mim, assim como deve ser para inúmeras pessoas mundo afora. Para você também?
Observo que a obra toca as pessoas de diferentes formas. No meu caso, o livro foi um divisor de águas em meu relacionamento com a leitura e com a escrita. Eu conheci a história na infância pela clássica animação da Disney, mas só parei para ler o livro na adolescência, e nem me lembro exatamente por que me interessei.
Com Alice, tive a minha primeira experiência profunda de leitura, daquelas que se desprende do mundo e até se esquece onde está. Foi como cair junto com ela na toca do coelho, e isso mudou muitas coisas na minha cabeça.
Embora sempre tenha sido um garoto introspectivo e imaginativo, costumava me expressar apenas em desenhos e cuidadosas construções de Lego e de papelão. Na adolescência, a minha paixão era a música. Nada parecia me tocar mais do que os refrãos e riffs dos meus roqueiros favoritos.
Após Alice, porém, as palavras foram tomando cada vez mais espaço em minha vida até quase enterrar de vez o meu interesse pelas ilustrações e pela guitarra. A leitura, outrora cansativa e monótona, me parecia intensa e empolgante, mas não era o bastante. Eu também queria escrever!
Desde então, leitura e escrita tornaram-se leais companheiras do meu dia a dia e ajudaram a moldar diversos aspectos da minha vida, tanto no lado pessoal, quanto no profissional.
É claro que não foi assim tão romântico. Foi um processo lento e turbulento, como qualquer mudança. Entretanto, tenho Alice no País das Maravilhas como uma das minhas principais inspirações como leitor e escritor. Um verdadeiro empurrão (quase um pontapé) nesse caminho.
Hoje, após trabalhar vários anos com textos para a internet e me estabilizar financeiramente com forte ajuda da escrita, me pego pensando se estaria no mesmo lugar caso não tivesse tido esse contato com o livro. “Onde diabos estaria?”, diria Alice.
Isso não importa. Até porque, convenhamos, as nossas vidas reais estão muito mais para o nonsense de Alice do que para os roteiros lineares e previsíveis dos contos de fada, não é mesmo?
7 fatos tornam Alice no País das Maravilhas uma obra única
Sem mais delongas, o que há de tão especial nessa obra e o que lições ela tem a nos ensinar sobre criação, arte e imaginação?
Estique as pernas e prepare uma bebida agradável, pois é muita coisa! E para os fãs de carteirinha, preenchi o texto com imagens de edições belíssimas do livro. Aproveite!
1. Imaginação livre e pura expressão de criatividade
Charles Dodgson ― conhecido pelo pseudônimo Lewis Carroll ―, aparentemente não tinha nenhuma pretensão que a sua obra se tornasse o clássico indistinguível que se tornou, muito menos o enigma filosófico ou freudiano que inúmeros biógrafos e entusiastas insistem em enxergar.
Ao que tudo indica, a história é uma pura expressão da criatividade de Dodgson, nutrida por seu brilhantismo acadêmico e literário, por suas vivências e, principalmente, por sua controversa relação com Alice Liddell, a garotinha que inspirou sua icônica personagem.

Polêmicas à parte, o livro é um exemplo notável de como a imaginação pode ser usada para criar um mundo completamente novo e cativante. Dodgson (ou Carroll) constrói um universo surreal e ilógico onde quase tudo é possível.
Essa liberdade criativa não é fácil de se alcançar, especialmente nos dias de hoje, onde estamos sendo constantemente influenciados por um oceano de conteúdo.
Qual foi a última vez que você se permitiu criar algo livremente, sem seguir regras, conceitos, modelos ou lógicas definidas? Isso é realmente inspirador em Alice e nos provoca a exercitar esse “desprender” da imaginação para alçar voos mais altos na criatividade.
2. Jogos de palavras e trocadilhos que enriquecem a leitura
A habilidade de Dodgson com a escrita é notável em Alice. Os trocadilhos e jogos de palavras ao longo do livro são uma das suas características mais marcantes e revelam como a linguagem pode ser manipulada de maneira criativa.
É fato que a escolha cuidadosa das palavras e das frases pode agregar profundidade ou humor a uma história, e essa é uma pista importante para identificar a competência e a genialidade de um escritor.
Em vários diálogos da história notamos esse brilhantismo. Na conversa com o Gato de Cheshire, onde ele e Alice discutem a palavra “gato”. No poema da Tartaruga Cabeçuda (paródia do poema “A Lebre e a Tartaruga”). E também no enigmático encontro com a Lagarta Azul, que questiona quem ela é.
Na sequência da história, “Através do Espelho e o Que Alice Encontrou por Lá”, Dodgson ilustra ainda mais essa flexibilidade com as palavras com o personagem Humpty Dumpty, que diz que pode fazer as palavras significarem o que ele quiser.
O domínio da linguagem pelo autor permite que ele, literalmente, brinque com ela de uma forma extremamente criativa, mas, sobretudo, brilhante, pois inspira diferentes interpretações e reflexões, sem perder de vista a coesão.
3. Personagens relevantes, distintos, envolventes e memoráveis
Os personagens de Alice no País das Maravilhas não contam com longas descrições ou contextos complexos, mas ainda assim conseguem ser extremamente ricos, memoráveis e envolventes.
O enorme sucesso de várias figuras da história, como o Chapeleiro Maluco e o Gato de Cheshire, ilustra a importância de desenvolver personagens distintos e bem construídos para envolver os leitores ― o que Dodgson foi capaz de fazer, mais uma vez, usando poucas palavras.
Mesmo dentro de um universo nonsense, cada um dos seus personagens nos oferece um conjunto singular de valores e ideias, bem como um estilo de linguagem e comportamento únicos. Nenhum deles é indispensável, banal ou tedioso.
De fato, ao curtir a obra pela primeira vez, ficamos entusiasmados com as próximas figuras que surgirão. E é interessante observar que essa variedade de personalidades faz com que cada leitor adote seus favoritos, geralmente os que lhe provocam maior empatia. Qual é o seu preferido?
E, claro, não posso deixar de mencionar aqui a protagonista. Alice é uma menina curiosa e corajosa que serve como eixo entre o mundo real e o País das Maravilhas. Sua ousadia é um destaque na literatura infantil, muito distante das tradicionais princesas dos contos de fada ― usualmente passivas e enfadonhas, convenhamos.
Mesmo se sentindo confusa e perdida, ela se mantém determinada a desbravar aquele mundo absurdo e tentar compreendê-lo de alguma forma, mesmo sem sucesso. É, sem dúvidas, uma personagem muito à frente do seu tempo, quando comparamos com outras representações femininas de sua época, e uma companhia cativante do início ao fim da história.
4. Narrativa não linear e aberta a diferentes interpretações
Qual a moral da história de Alice no País das Maravilhas? Na verdade, não há nenhuma moral ou lição explícita na obra.
A maioria das pessoas está acostumada com histórias lineares, isto é, narrativas em que o início, o meio e o fim são evidentes e todos os acontecimentos se desdobram sobre um desfecho previsível.
Como crescemos absorvendo a famosa “moral da história”, a grande lição do herói ou o famigerado “felizes para sempre” em quase todos os contos que nos foram apresentadas na infância, adotamos esse tipo de fechamento didático como algo fundamental.
Por mais que muitos fãs e até críticos tentem exprimir “mensagens ocultas” na história, sabemos que o autor não teve essa intenção. Essa, inclusive, é uma das características que mais gosto em Alice e uma das razões pelas quais fiquei tão enfeitiçado pela obra.
Para muitos leitores, um texto que ousa deixar pontas soltas ou questões em aberto é tão perturbador quanto uma novela que termina sem casamento. Entretanto, há uma beleza nisso.
Narrativas lineares são preguiçosas, e são poucos os escritores que as desafiam. As chances de perder o leitor são enormes, afinal, sabemos que as pessoas gostam de clichês e conclusões fáceis. Há, porém, quem consiga tal façanha e ainda a faça de modo célebre.
Em Alice, Dodgson brinca com a narrativa do texto tal como faz com a linguagem. A história segue uma lógica própria e várias vezes desafia os estilos tradicionais, além de ser repleta de surpresas e reviravoltas que prendem a atenção do leitor.
O autor deixa claro que a estrutura da narrativa também pode ser flexível e que não é necessário seguir uma linha reta para contar uma história interessante. Pelo contrário, é justamente a ausência de linearidade em Alice que torna a história tão distinta e tão rica de interpretações ― e também de teorias tão malucas quanto o próprio País das Maravilhas, convenhamos.
Para além das especulações, Alice é um daqueles livros que oferece uma experiência única para cada pessoa. É como se o leitor construísse a história junto ao escritor. Alice no País das Maravilhas, em toda a sua simplicidade, consegue se revelar uma história rica em camadas e significados, permitindo interpretações e sensações diversas.
5. O absurdo como instrumento de crítica e reflexão
O fato de uma narrativa não ser linear não significa que ela seja carente de sentido. Embora não se saiba se essa era realmente a sua pretensão, é notável que Dodgson adotou uma postura provocativa inspirada na natureza, muitas vezes, confusa e ilógica da infância.
As questões levantadas ao longo da história são típicas de uma criança que tenta compreender o mundo pela primeira vez. Entretanto, muitas delas tocam e até perturbam adultos “bem vividos”, o que justifica o sucesso delas em diversas obras artísticas posteriores e nos posts motivacionais que bombam nas redes sociais nos dias de hoje.
Esse é o principal ponto que fez com que o livro se consolidasse como uma obra para crianças e adultos.
O País das Maravilhas é caracterizado por sua completa falta de lógica e coerência. Nele, as regras da realidade aparentemente não existem e eventos absurdos ocorrem constantemente: Alice encolhe e cresce aleatoriamente, os personagens mudam de forma, o tempo é inconsistente e as convenções sociais são frequentemente quebradas.
Esse absurdo desafia as expectativas do leitor e cria um ambiente surreal e desconcertante que, várias vezes, põe em xeque as nossas próprias convicções sobre a vida, sobre as pessoas e sobre a sociedade.
Tenha sido essa ou não a intenção do autor, o fato é que não é nada difícil extrair reflexões sociais, psicológicas ou filosóficas de Alice, e esse é provavelmente o princípio mais adotado por outros criadores para citar ou referenciar a obra em suas criações.

6. Referências e questões sociais abordadas em sátiras
Ao longo da obra, Dodgson faz diversas alusões à sociedade vitoriana, frequentemente se beneficiando da sátira e dos já mencionados jogos de palavras e trocadilhos.
A Rainha de Copas, por exemplo, que frequentemente ordena decapitações por razões triviais, é uma clara sátira à arbitrariedade e à crueldade de certas instituições de autoridade da época.
Outro exemplo é a ênfase exagerada em formalidades sociais e na etiqueta, que é comumente quebrada de forma absurda pelos personagens. Essas abordagens também podem ser entendidas como uma crítica à hipocrisia social da sociedade vitoriana.
Alguns biógrafos também sugerem que, por Dodgson ter sido professor e matemático, muitos elementos da história, como a ênfase na lógica e na matemática, são uma crítica à educação formal da época, pois destacam como a busca cega pela lógica e pela razão também pode levar a resultados absurdos e ilógicos.
Em termos de escrita, o mais interessante é que essas críticas se mantêm evidentes, mesmo dentro de um contexto nonsense, contribuindo para a riqueza e para a complexidade da obra. Seja por meio do absurdo, seja por meio da sátira, Dodgson demonstra como a escrita pode ser usada para fazer críticas sociais e políticas de maneira criativa, muitas vezes gerando mais impacto do que discursos e colocações diretas.
7. A jornada da protagonista e seu desenvolvimento pessoal
Por fim, não há como falar da obra de Dodgson, sem comentar a notável jornada e evolução da sua querida protagonista. Ao finalmente sair da toca do coelho, Alice não é a mesma que entrou. Ainda que a sua trajetória tenha sido incomum e ilógica em vários aspectos, ela vivencia uma jornada de autodescoberta e crescimento pessoal.
Alice passa por várias transformações físicas e emocionais, enfrenta desafios estranhos e encontra uma série de personagens excêntricos ao longo do livro que testam, de diferentes maneiras, a sua paciência, a sua coragem e a sua capacidade de adaptação.
Se você anda buscando informações sobre como escrever um livro ou como escrever melhor, já deve ter se deparado com termos como o chamado “arco de personagem”. Este conceito é, basicamente, o desenrolar de eventos na história que dá coerência ao personagem.
Em Alice ― que, por sinal, é um excelente exemplo de arco de personagem sólido ―, observamos que cada novo evento da história tem um impacto em suas concepções.
Pouco a pouco, a menininha intrigada e, por vezes, impaciente com os curiosos habitantes do País das Maravilhas dá espaço a uma garota madura que se vê mais à vontade com toda a estranheza ao seu redor e que está disposta, inclusive, a tomar atitudes nobres para ajudar seus novos amigos e fazer justiça.
Diferentemente daquele roteiro tradicional, em que o protagonista se transforma completamente após um grande acontecimento ou clímax, Dodgson opta por uma mudança natural, lenta e gradual, que, de tão sutil, às vezes passa despercebida ao longo da narrativa, embora fique evidente em seus momentos finais.
Ao longo de toda a jornada, porém, Alice se mantém uma personagem sólida, isto é, apesar de mudar, continuava sendo autêntica. Sua essência se mantém ao longo de todo o seu desenvolvimento, marcado por aventuras e reflexões.
Após enfrentar a desconcertante natureza do País das Maravilhas e suas dúvidas e incertezas pessoais, ela retorna ao mundo real com uma compreensão mais profunda de si mesma e da complexidade da vida adulta.
O mais provável é que Dodgson tenha usado essa construção para fazer uma alegoria da transição da infância para a idade adulta, explorando as incertezas, os desafios e a busca por identidade nesse processo.
Entretanto, essa jornada pode se encaixar em vários outros contextos, a depender do repertório, dos interesses e da imaginação de cada leitor. De obras artísticas à trabalhos acadêmicos, você encontrará a trajetória de Alice servindo de metáfora para os mais diversos temas, da busca pelo “self” (ou identidade) ao mito da caverna de Platão.
Conclusão
Entre outros aspectos, a notável criatividade do autor, seus personagens distintos, o brilhante uso da linguagem e a abordagem de temas profundos por meio do absurdo fizeram com que a obra atravessasse gerações, se mantendo, há mais de um século e meio, uma grande referência para escritores e leitores de todo o mundo.
Alice no País das Maravilhas é um exemplo atemporal da arte de escrever bem. A obra de Dodgson nos traz lições e provocações valiosas, mas, antes disso, nada mais é do que um bom livro, capaz de proporcionar uma leitura divertida, profunda e instigante. Um verdadeiro banquete para a imaginação!
Gostou do conteúdo? Confira também meu artigo sobre A Viagem de Chihiro, uma obra com muitos elementos de Alice e que também inspira gerações.

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