“Eu não leio livro de autoajuda”, “autoajuda é coisa de gente boba”, “odeio livro de coach”. Já reparou que a anti-autoajuda se parece muito com a própria autoajuda?
De acordo com o dicionário de Oxford, “autoajuda é a prática de usar livros, vídeos ou outros recursos para melhorar a si mesmo sem a ajuda de outras pessoas” - sob essa ótica, até escritores como Nietzsche e Tolstói poderiam ser classificados como tal, mas você sabe muito bem sobre o tipo de obra a qual estou me referindo.
Entretanto, a ironia que me levou a escrever este texto é que entre as ideias daqueles que se opõe a essa “má literatura”, na maioria das vezes topamos com mais do mesmo. Já havia reparado?
Quem é mais chato, afinal? Os viciados (sim viciados) em obras de autoajuda ou os autoproclamados intelectuais que dedicam seu precioso tempo para criticá-las?
É consenso que a autoajuda está um tanto mal falada. Inventaram até outros nomes para disfarçar, como “auto aperfeiçoamento”, “desenvolvimento pessoal”, embora todos se refiram à mesma coisa.
A verdade é que quase todo mundo que se sentiu na fossa algum dia acabou sendo seduzido por um dos famosos títulos clickbaits do gênero, tomando cuidado para não ser visto gastando dinheiro com isso - é uma espécie de “segredinho” ou taboo.
Mas, afinal, por que desmerecemos tanto a autoajuda (além do óbvio). E, mais importante, porque estamos dando tanto ouvido a quem supostamente a critica, mas entrega exatamente a mesma coisa?
- As origens da autoajuda moderna
- A nova autoajuda é falar mal da autoajuda
- A “revolução” anti-coach e a “nova autoajuda”
- Conclusão
As origens da autoajuda moderna
Materiais e atividades com propostas semelhantes às da autoajuda existem há milênios, mas foi no século passado que essas ideias ganharam um tom comercial quase apelativo, se aproveitando das grandes mudanças observadas no comportamento humano nas últimas décadas.

Com o crescimento das cidades e do estilo de vida urbano, não havia mais espaço para introspectividade. Para se desenvolver e ser feliz era necessário aparecer, se comunicar, liderar. E é a partir disso que surge o boom de cursos, palestras e livros - toneladas de livros - sobre comunicação, finanças, relacionamento e liderança, um fenômeno capitaneado por escritores influentes, como Dale Carnegie e Napoleon Hill.

Esse foi o berço da autoajuda moderna. Entre textos que se apresentavam inicialmente como manuais de discurso, carreira, negócios e investimentos, encontramos também muito esoterismo, com destaque para o famoso “pensamento positivo”.

Uma característica notável é que, embora muitas dessas ideias sejam adaptações de conceitos religiosos antigos, a autoajuda moderna tenta se desvencilhar das instituições religiosas, se posicionando como uma “nova verdade” ou uma “nova revelação”, porém, dentro de um viés positivista, onde tudo é supostamente pautado em evidências (“evidências”).
Conselhos vagos, soluções genéricas e a falsa ideia de que sucesso depende apenas de mentalidade. Trabalhe duro, pense positivo e tudo dará certo!
Pouca coisa mudou do início do século XX para cá em relação a proposta, o estilo e o conteúdo dessas obras, a não ser a enorme multiplicação de títulos e experts que surgiram inspirados nos velhos gurus.
Outra coisa notável é a queda brusca na qualidade dos livros nos últimos anos, que antes eram muito mais longos e requintados. São adaptações de mercado, que também ilustram o fenômeno que observamos, hoje, no gênero.
A nova autoajuda é falar mal da autoajuda
Talvez seja pela queda da qualidade das obras. Talvez seja pelo notável fracasso do pensamento positivo diante das incontáveis turbulências que abalaram o mundo nos últimos tempos. O fato é que a autoajuda parece ter perdido a credibilidade - embora siga mais forte do que nunca.
Atualmente, é muito comum ver pessoas fazendo chacota sobre autoajuda, negando ler esse tipo de conteúdo tal como um suspeito negando um suposto crime cometido: “Autoajuda? Jamais! Isso é coisa de gente fraca, boba!”
Bem, o fato é que os livros do gênero seguem vendendo muito, estão sempre entre os mais vendidos, e é bem provável que algum (ou vários deles) esteja escondido na gaveta ou no canto da prateleira daqueles que se dizem bons demais para uma literatura tão mesquinha.
Também encontramos facilmente palestrantes e influenciadores ridicularizando tais obras, mas basta esperar um pouco para ver que a maioria deles termina seus seminários com conceitos e frases de efeito tão ordinárias e genéricas quanto às presentes nas obras que criticaram logo antes.

O que me parece é que essa ideia de diminuir temas se tornou um artifício de discurso manjado, talvez um tipo de falácia do espantalho ou uma estratégia para construir autoridade diminuindo os outros em vez de apresentar argumentos realmente inovadores.
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A “revolução” anti-coach e a “nova autoajuda”
Em meio ao cansaço coletivo, um novo fenômeno surgiu nas redes sociais e que também tomou conta da literatura, o movimento “anti-coach”.
Diferente dos gurus que vendem atalhos para o sucesso, essa nova onda de influenciadores prega a dura realidade: o mundo é difícil, a vida não é justa e a única solução real é agir dentro das suas possibilidades.
Entre os nomes que ganharam notoriedade global nessa nova onda, temos o psicólogo canadense Jordan Peterson e o investidor indiano-americano Naval Ravikant. Entretanto, a quantidade de personalidades que assumiram tal roupagem nos últimos anos é incalculável.

O problema é que, por mais que se pintem de revolucionários, os novos pensadores, aparentemente despertos, oferecem exatamente o mesmo que a autoajuda tradicional sempre ofereceu: fórmulas simples para problemas complexos.
A estrutura é sempre a mesma: um tom de conversa informal, histórias pessoais de fracasso e superação, algumas citações pop e, no final, uma nova “verdade inconveniente” para você levar para casa.
Os títulos e discursos polidos dos autores do século passado estão fora de moda. A moda agora é parecer natural, espontâneo, ligar o f*da-se (sem referências). Na prática, porém, só trocamos o “acredite em você mesmo” pelo “ninguém liga para você, lide com isso e seja foda”.

Os gurus que vendem promessas vazias precisam sim ser questionados, e talvez tais movimentos tenham sim grupos e representantes que atuem com essa proposta de forma legítima.
Entretanto, o que se vê mesmo é uma grande ironia, pois o “anti-autoajuda” ou o “anti-coach” geralmente se torna exatamente o que critica - não importa o nicho do guru: negócios, investimentos, carreira, vida fitness, relacionamentos etc.

Se a velha autoajuda pecava pelo excesso de otimismo ingênuo, a nova autoajuda exagera no cinismo estilizado. No fim, tanto um extremo quanto o outro servem para vender serviços e produtos, ou te afogar em anúncios (uma forma moderna de monetizar conselhos vagos).

Também muito comum hoje é negar que seu autor ou influenciador favorito faz parte da indústria da autoajuda, como se isso desmerecesse seu trabalho ou fosse uma ofensa.
Não é.
É extremamente natural buscarmos aconselhamento, a diferença é que os conselhos - que antes eram mais pessoais - hoje são embalados e vendidos como fast-food. Os conselhos vagos que encontramos nos livros, ouvimos também de pais, irmãos, tios e amigos, e sei que muitos saem da sua boca também. É um mercado montado sobre algo absolutamente humano.
Você, sabichão, não é melhor que seu amigo que lê autoajuda - e certamente consome conteúdos e acredita em coisas que renderiam muita chacota também.
Deixemos, então, as pessoas curtirem o que quiserem em paz! Mas, claro, sempre importante denunciar quem se aproveita dos recursos da autoajuda para enganar e prejudicar pessoas.
Conclusão
De certa forma, um livro de autoajuda é como uma cerveja gelada no fim de semana. O leitor não está procurando realmente uma reflexão, uma solução definitiva para seus problemas. Ele quer apenas aliviar suas angústias de um jeito rápido e prático, ou pelo menos acreditar que pode fazer isso.
Tal como o álcool, o efeito dura pouco e, dependendo da dose, dá ressaca. Ressaca? Vai dizer que não se sentiu mal quando começou a melar a “rotina de sucesso” logo na primeira semana?
Enfim, estou aqui para dizer na sua cara que seu autor ou influenciador descolado, que sempre fala mal dos coaches e dos bestsellers, vende autoajuda também - e está tudo bem.
E está tudo bem também para você que gosta da autoajuda clichê, clássica, sem medo de parecer ingênua. Não precisa esconder seu livro na gaveta ou fingir desinteresse na livraria. Ler autoajuda não faz de você menos “intelectual” ou “crítico” que seu amigo que diz só ler Dostoievski - na verdade, é bem provável que ele seja fã dos anti-coaches.

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